segunda-feira, 21 de setembro de 2015

‘A Dilma é simplesmente uma trapalhona’



Em entrevista ao jornal “O Estado de S. Paulo”, o ex-ministro, ex-deputado e afiadíssimo economista Delfim Netto, 87 anos, 24 deles no Congresso, como deputado, desfiou uma série de adjetivos demolidores contra o pacote fiscal do governo e foi implacável com a presidente Dilma Rousseff: “Ela é simplesmente uma trapalhona”. Delfim classificou o envio de um Orçamento com déficit ao Congresso como “a maior barbeiragem política e econômica da história recente do Brasil” e disse que o pacote é “uma fraude, um truque, uma decepção, não tem corte nenhum, é uma cobra que mordeu o rabo”.
Sobre a volta da CPMF, que é o coração do plano, ele disse: “A CPMF é um imposto cumulativo, regressivo, inflacionário, tem efeito negativo sobre o crescimento e quem paga é o pobre”. Veja os principais trechos da entrevista.
nComo o sr. vê a situação hoje?
oCom muita preocupação. As pessoas sabem que a presidente é uma mulher com espírito muito forte, com vontades muito duras, e ela nunca explicou porque ela deu aquela conversão na estrada de Damasco. Ela deveria ter ido à televisão, já no primeiro momento, e dizer: “Errei. Achei que o modelo que nós tínhamos ia dar certo e não deu”. Mas, não. Ela mudou sem avisar e sem explicar nada para ninguém. Como confiar?
nComo define a conversão na estrada de Damasco?
oEla mudou um programa econômico extremamente defeituoso, que foi usado para se reeleger. Em 2011, a Dilma fez um ajuste importante, aprovou a previdência do funcionalismo público, o PIB cresceu praticamente no nível do Lula. Mas o vento que era de cauda e que ajudou muito o Lula tinha mudado e virado um vento de frente.
nOs ventos internacionais?
oSim. Então, ela foi confrontada em 2012 com essa mudança e com a expectativa de que a inflação ia aumentar e o crescimento ia diminuir e ela alterou tudo. Passou para uma política voluntarista, intervencionista, foi pondo a mão numa coisa, noutra, noutra, noutra... Aquilo tudo foi minando a confiança do mundo empresarial e, de 2012 a 2014, o crescimento vai diminuindo, murchando.
nE o uso na reeleição?
oA tragédia, na verdade, foi 2014, porque ela usou um axioma da política, que diz que ‘o primeiro dever do poder é continuar poder’. No momento em que ela assumiu isso, ela passou a insistir nos seus equívocos. Aliás, contra o seu ministro da Fazenda, o Guido Mantega, que tinha preparado a mudança, tanto que as primeiras medidas anunciadas pelo Joaquim Levy já estavam prontas, tinham sido feitas pelo Guido.
nEntão, o sr. discorda da versão corrente de que a culpa foi do Mantega?
oO Guido não tem culpa nenhuma. E, para falar a verdade, nenhum ministro da Fazenda da Dilma tem culpa nenhuma, porque o ministro da Fazenda é a Dilma, é ela. E o custo da eleição é o grande desequilíbrio de 2014.
nQual o papel do Levy?
oComo a credibilidade do governo é muito baixa, o ajuste que ele fez encontrou muitas dificuldades, não teve sucesso porque não foi possível dizer que o ajuste era simplesmente uma ponte.
nA presidente não vive dizendo que é só uma travessia?
oTravessia sem ponte?
nE o pacote fiscal?
oO primeiro equívoco mortal foi encaminhar para o Congresso uma proposta de Orçamento com déficit. Foi a maior barbeiragem política e econômica da história recente do Brasil. A interpretação do mercado foi a seguinte: o governo jogou a toalha, abriu mão de sua responsabilidade, é impotente, então, seja o que Deus quiser, o Congresso que se vire aí.
nA briga interna do governo não é um complicador?
oA briga interna ocorre em qualquer governo, mas o presidente tem de ter uma coisa muito clara: ele opta por um e manda o outro embora. Um governo não pode ter dentro de si essas contradições, senão vira um Frankenstein.
nQuem tem de sair, o Levy, o Nelson Barbosa ou o Aloizio Mercadante?
oQuem tem de sair é problema da Dilma, mas quem assessorou isso do Orçamento com déficit levou o governo a uma decisão extremamente perigosa e desmoralizadora e isso produziu um efeito devastador.
nDe tudo o que o sr. diz, conclui-se que o ponto central da crise é que Dilma é uma presidente fraca?
oEla tem uma visão do Brasil que não coincide com o Brasil.
nPor que o sr. defendia o aumento da Cide, não a recriação da CPMF?
oO aumento da Cide seria infinitamente melhor. CPMF é um imposto cumulativo, regressivo, inflacionário, tem efeito negativo sobre o crescimento e quem paga é o pobre mesmo. Ele está sendo usado porque o programa do governo é uma fraude, um truque, uma decepção – não tem corte nenhum, só substituição de uma despesa por outra e o que parece corte é verba cortada do outro. Dizem que vão usar a verba do sistema S. Ora, meu Deus do céu! R$ 1 do sistema S produz infinitamente mais do que R$ 1 na mão do governo. Alguém duvida de que o governo é ineficiente?
nA presidente Dilma...
oAcho que não, nem ela. Ela sabe disso, só não tira proveito.
nE a Cide?
oA CPMF é coisa do século 19, a Cide é do século 21, porque você corta consumo de combustível fóssil, reduz emissão de CO2 e vai salvar um setor que você destruiu, o sucroalcooleiro. Tem 80 empresas quebrando por conta dos erros da política econômica. Na hora que você fizer isso, toda essa indústria renasce.
nQuais as chances de o pacote passar?
oEles vão ter de negociar com a CUT e com o PT, que é o verdadeiro sindicato do funcionalismo público. Então, é quase inconcebível e vai ter uma greve geral que vai reduzir ainda mais a receita. É uma cobra que mordeu o rabo. O aumento de imposto é 55% do programa; o corte, se você acreditar que há corte, é de 19%; e a substituição interna representa 26%. Ou seja, para cada real que o governo finge que vai economizar com salários, ele quer receber R$ 3 com as transferências e o aumento de imposto. No fundo, o esforço é nulo.
nO sr. diz que os grandes problemas começam em 2014, mas muitos analistas respeitados dizem que começam antes. Qual a responsabilidade do governo Lula?
oAté 2011, o vento de cauda era de tal ordem, a entrada da China foi de tal ordem, que dava a sensação de que você tinha entrado no paraíso e o Lula aproveitou bem para um crescimento mais inclusivo, mais equânime. Depois, eu estou convencido de que foi a intervenção extravagante, extraordinária, exagerada no sistema econômico que gerou tudo isso. Mexeu na eletricidade, mexeu nos portos, foi criando um estado de confusão que matou o “espírito animal” dos empresários, com uma queda dramática do nível de investimento e do nível de crescimento.
nA diferença é que o Lula nunca fez questão de ser de esquerda, mas a Dilma, que vem do velho PDT brizolista, nacionalista e estatizante, tem esse compromisso?
oO Lula é um pragmático, uma inteligência extraordinária. Já a Dilma tem, sim, o velho problema do engenheiro, o engenheiro Brizola, que por onde passou destruiu tudo, destruiu de tal jeito o Rio Grande do Sul que ninguém mais salva. Ela tem uma ideia intervencionista, realmente não acredita no sistema de preços. Veja essa escolha dela no pré-sal, é inteiramente arbitrária. Foi dar para a Petrobrás uma tarefa muito acima do que ela é capaz. Nada mais infantil no Brasil do que a sua esquerda, facilmente manobrável.
nQuem é a esquerda no Brasil hoje?
oNo Brasil de hoje, esquerda e direita são sinais de trânsito. O fato é que a Dilma é uma intervencionista e foi a crença de que ela não mudou, e de que a escolha do Joaquim foi simplesmente um expediente para superar uma dificuldade, que não deu credibilidade ao plano de ajuste.
nAlém de perder credibilidade junto aos empresários, a presidente também está perdendo apoios na base social do PT.
oComo ela não explicou que errou e por que iria mudar a política econômica, o 1/3 que votou nela se sentiu traído de verdade e o 1/3 que votou contra ela disse: ‘Viu? Eu não disse?”. Sobraram para ela só 8%.
nEm quem o sr. votou?
oNa Dilma. Mas acho que o Aécio era perfeitamente “servível”. Teria as mesmas dificuldades que a Dilma enfrenta, porque consertar esse negócio que está aí não é uma coisa simples para ninguém, mas ele entraria com uma outra concepção de mundo, faria um ajuste com muito menos custo e a recuperação do crescimento teria sido muito mais rápida.
(Pararijos NEWS)

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