domingo, 9 de novembro de 2014

Policiais procuram autores de boatos

Objetivo é responsabilizar pessoas que criaram clima de terror após mortes
Após a série de mortes ocorrida em Belém na terça (4) e na quarta-feira (5), várias informações falsas circularam por meio do aplicativo para smartphones WhatsApp e das redes sociais. O pânico tomou conta da cidade porque algumas mensagens, que incluíam fotos, vídeos e áudios, anunciavam a invasão de universidades e escolas, a queima de ônibus e arrastões no centro da capital do Estado. A Polícia Civil do Pará afirma que o anonimato - diferente do que muitos imaginam - não é garantido e que já iniciou uma minuciosa investigação para identificar os responsáveis pelos boatos.  
Em um dos áudios amplamente compartilhados nos últimos dias, principalmente em 5 de novembro - um dia depois do assassinato do cabo da Polícia Militar Antônio Marco da Silva Figueiredo, de 43 anos, no bairro do Guamá -, uma voz feminina anuncia que cinco adolescentes foram assassinados em uma escola da rede pública de ensino. Em outro áudio, a gritaria supostamente havia sido registrada em uma faculdade invadida por criminosos. Outra mensagem carregava a promessa de execução em massa de universitários. Nenhuma dessas situações ocorreu, mas as mentiras provocaram consequências. Muitas pessoas decidiram não arriscar e preferiam nem sair de casa, por exemplo.
O delegado Samuelson Igaki, da Divisão de Prevenção e Repressão a Crimes Virtuais, diz que é fundamental deixar claro que tudo que é feito pela internet deixa rastro. E é a partir dessas informações que as investigações da polícia são feitas. “Aplicativos pregam o anonimato, sendo que o anonimato é vedado inclusive pela Constituição Federal. O ponto de partida é deixar bem claro que tudo deixa rastro. Quem posta vídeos e fotos pode ser localizado, e a Polícia Civil, com o poder de polícia judiciária, está trabalhando na identificação dessas pessoas”, explica.
Por meio das diligências e da inteligência policial, a Polícia Civil pretende alcançar os responsáveis pela criação dos boatos e também pelo compartilhamento deles. Essas pessoas deverão responder judicialmente pelas infrações penais.

Divisão tem ferramentas para chegar aos criadores de mentiras

 Notícias falsas são comuns na internet, mas, de acordo com o delegado Samuelson Igaki, quem cria e propaga informações inverídicas pode ser responsabilizado criminalmente. Os delitos estão previstos em diferentes artigos do Código Penal. “Será preciso analisar cada caso, para fazer a devida subsunção (compatibilizar o ato ao fato jurídico). De modo generalizado é possível dizer que essas pessoas serão autuadas nos artigos 286, incitação à prática do crime, 287, sobre apologia ao crime, falsa comunicação de crime no 339, no artigo 41 da Lei de Contravenção Penal que fala sobre o falso alarma, anunciando desastre e perigo insistente ou praticar atos que geram pânico ou tumulto na população. Até quem postou responde criminalmente, pois provocou alarma, mesmo que ele nem tenha sido o criador da informação”, explica.
A Divisão de Repressão e Prevenção a Crimes Tecnológicos tem ferramentas para localizar os criadores dos boatos. “Há fotos que foram compartilhadas da boate Kiss, por exemplo, como se fosse aqui, com corpos enfileirados. Um perigo, capaz de provocar uma calamidade pública. É preciso ter discernimento”.  
Os boatos de que a capital paraense estava tomada por criminosos surgiram logo após o assassinado do cabo da Ronda Tática Metropolitana da Polícia Militar (Rotam) Antônio Marco da Silva Figueiredo. Ele chegava em casa, no bairro do Guamá, quando foi cercado e morto na noite de terça-feira (4). Os responsáveis pelo crime ainda não foram identificados. O cabo Figueiredo estava afastado da Polícia Militar havia sete anos, por causa de problemas de saúde. Mesmo afastado, ele era investigado pela corregedoria das polícias Civil e Militar, em razão do suposto envolvimento em pelo menos dez homicídios.

Determinar os culpados é um desafio, diz professor universitário

 Após a morte do cabo da Polícia Militar Antônio Marco da Silva Figueiredo, 10 pessoas também foram assassinadas na Terra Firme, Jurunas, Marco, Tapanã e Sideral. A Divisão de Homicídios está responsável pelas investigações de todos os crimes, mas ainda não é possível saber se as mortes têm relação.
Na quarta-feira (5), a Secretaria de Estado de Segurança Pública e Defesa Social (Segup) se reuniu com os órgãos de sua competência e agentes das esferas federal e municipal, na sede do Comando da Polícia Militar, para tranquilizar a população da capital paraense. Isto porque os boatos alteraram a rotina de muitas pessoas e fizeram com que várias instituições de ensino suspendessem as atividades. Informações compartilhadas pelo WhatsApp, por exemplo, davam conta de que alunos estavam sendo assaltados nos arredores da Universidade da Amazônia (Unama) e que o campus localizado na avenida Alcindo Cacela seria invadido.
O professor e coordenador adjunto do curso do Direito da Unama, Amadeu Vidonho, conta que as salas de aula estavam vazias no dia em que essa informação circulou. O educador, que também é pesquisador da área de Direito e Novas Tecnologias da Informação e Comunicação, afirma que ainda que as pessoas tenham compartilhado falsas notícias, não é simples configurar todo o episódio como crime, e determinar os culpados é um desafio, pois existe uma linha tênue entre o direito de liberdade de expressão, acesso à informação e a divulgação de informações falsas.
“Hoje em dia as mídias sociais são as primeiras a veicular determinadas informações, chegam antes dos veículos de comunicação tradicionais. Inicialmente, é possível que uma pessoa receba aquela informação e acredita que ela seja verídica. É claro que nesses momentos é fundamental buscar as fontes oficiais, como os jornais O LIBERAL e Amazônia, por exemplo. Se esses veículos não noticiam tais informações, elas não poderiam ter recebido tanta credibilidade. Faltou discernimento para compreender o que era verdade ou não”, avalia.

Outras notícias falsas surgidas na web já causaram prejuízos

 Amadeu Vidonho afirma que essa não foi a primeira vez que boatos na internet causaram prejuízo. “Esse ano teve o caso do rapaz que precisou se apresentar à polícia para mostrar que não era estuprador, após informações serem divulgadas pelas redes sociais”.
O professor se refere a Rafael Silva Patroca, de 31 anos, que se apresentou à Polícia Civil do Pará para registrar um boletim de ocorrência, denunciando ser vítima de calúnia e difamação, por causa de uma mensagem que circulou em redes sociais e e-mails. O texto que se tornou viral na web era um alerta às mulheres de Belém sobre um suposto estuprador que, armado com revólver e conduzindo uma moto preta, agia no bairro de São Brás. Rafael registrou boletim de ocorrência na Divisão de Repressão e Prevenção a Crimes Tecnológicos, da Polícia Civil.
Em maio deste ano, o retrato falado atribuído a Fabiane Maria de Jesus resultou no assassinato da mulher. Ela foi linchada por moradores do Guarujá (SP) após boatos na internet. O retrato falado não era da dona de casa e havia sido feito por policiais da 21ª DP (Bonsucesso) em agosto de 2012. Na época, uma mulher foi acusada de tentar levar um bebê do colo da mãe em uma rua de Ramos, na zona norte do Rio de Janeiro.
A dona de casa Fabiane Maria de Jesus, de 33 anos, morreu dois dias após ter sido espancada por dezenas de moradores do Guarujá. Ela foi agredida por causa de um boato gerado por uma página em uma rede social que afirmava que ela sequestrava crianças para utilizá-las em rituais de magia negra.
Na avaliação do professor Amadeu Vidonho, todos esses casos revelam que é preciso cautela e educação também na forma de utilizar as mídias sociais. “O fenômeno é interessante, pois logo após as pessoas perceberem que tudo tratava-se de boato, surgiram as reações, a piada sobre as histórias. Não acho que isso abale a importância da internet, como uma ferramenta fundamental de expressão, mas é preciso educar para que seja usada de forma positiva”, destaca.
 ORM News

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